sábado, 29 de junho de 2013

BIOGRAFIA QUEBRADA

Conheci um homem a quem proibiram sonhar.
Nascido em fazenda, herdeiro de latifúndio,
Ainda em cueiros se viu órfão, expulso da terra.

Quase mais velho de vasta e variada prole,
Fez-se interdito a cadernos e livros, escolas,
Porque de exigência a marmitas e patrões,
Em busca de pão para a partilha doméstica.

Em permuta adolescente, não viu namoradas
E se fez distante ao que edifica e constrói,
Em trabalho permanente que, na infância
Amputa, subtrai, limita, mata, corrói.

Sem opções capazes de iluminar o futuro,
Viu na farda opção única de vida tranquila
E se orgulhou cabo do exército brasileiro.

Mas das hostes infernais, em maldição e ódio,
Das fornalhas de satanás brotou o nazismo,
E este homem foi arregimentado combatente.

Conheceu a neve e a fome, o frio e a morte,
Todas as desgraças possíveis e ao alcance,
Plantando pesadelos que se fariam eternos.

Morto o suástico monstro, apodrecida
A pretensão de domínio e extermínio,
Com a carne rasgada e mais rasgada a alma,
Esse homem voltou para casa, para sonhar.

Mas não pode o sonho os sempre acordados.
Posto em baixa compulsória, como todos,
Não cabem loucos no exército brasileiro,
Vil e covardemente expurgado, como todos,
Viu-se às voltas no desemprego novamente.

Motorista de carros de combate e jipes,
Adestrado na perícia de solos irregulares
E pântanos e neve e campos e florestas
Desafiando perícia no domínio da máquina,
Viu-se em veículos outros, em ônibus,
No monótono itinerário constante e repetitivo.

Logo o consolo mascarado em justiça social:
Um emprego público com função subalterna,
Mãe da continuada miséria iniciada na infância.

E conheceu a musa, talvez a pretendida sempre,
Desde o tempo que ele supunha infância.
E construiu cinco filhos erguidos da pobreza
Renitente, diária, constante, permanente,
Apontando: isso não vai dar certo.

Temperamental, de nervos a flor da pele,
Sobre suas retinas as flores no quintal
E tanques, e cadáveres, as bombas, os gritos
E os filhos, a esposa, a necessidade de persistir.

Persistiu, ora no pesadelo da realidade,
Ora nos sonhos do álcool, talvez em fuga
Para a infância, em retorno para se reerguer
O menino que não foi, mastigado pelo mundo.

O viver nos limites da sanidade mental,
O álcool, o tabagismo inveterado,
As dores impostas, mais as que se impôs
Impuseram um caranguejo voraz, faminto
A roer-lhe a garganta e a possibilidade de futuro.

Logo metastaseou-se, deu cria e se espalhou,
Fazendo ninho em cada órgão e víscera,
Até que numa quarta feia de sol livrou-se.

Hoje acordei na infância. Se vivo fosse
Ele estaria em festa, aniversariando
No dia de São Pedro, seu xará,
Como ele, amante do mar e da pesca,
E eu estaria menos pobre, de chinelinhos
E shorts, chapéu de palha, correndo em risos
entre fogueiras e rojões, balões...
E tudo o mais que me foi interdito:
Guloseimas, refrigerantes, cidadania infantil.

Hoje acordei partido, saudoso, meio amputado,
Encarcerado no menino que persite em mim.
Esse homem era (é) meu pai.

Francisco Costa
Rio, 29/06/2013.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

Bom dia, seu polícia!
Guarde o seu ódio,
O seu capacete,
Seu colete a prova de balas,
Suas pesadas botinas,
Seu escudo,
Seu cassetete,
Sua pistola e seu revólver,
As balas de borracha,
Seu spray de pimenta
A bomba de efeito moral,
O gás lacrimogênio
Toda essa incontida fúria.

Ficarás mais leve, verás.

De pouca precisão, isso.
Só tenho esta flor
Na mão esquerda;
Na direita, esse passarinho.

Não fui eu quem roubou a esperança,
Apesar dela estar comigo.

Francisco Costa

Rio, 14/06/2013.

ACORDAR VANDRÉ

Os canalhas brasileiros, que detêm mandatos
E roubam acintosamente um povo inteiro,
Aliaram-se aos veículos de comunicação
E ao aparato de repressão armada,
Formando a maligníssima trindade:
Ladrões do erário, mídia, polícia.

Enquanto os que vão ao protesto
Em ruas do exterior são chamados de manifestantes,
Os manifestantes daqui são tratados por baderneiros.

A mídia não mostrou policiais danificando viaturas,
Incendiando barricadas, depredando vitrines...
Tudo fartamente documentado em fotos e vídeos,
Creditando os crimes à conta de baderneiros.

Os brasileiros estão indo para as ruas
O mundo todo começa a acompanhar
As globos brasileiras omitem, escondem.

É hora de repetir Vandré:
“Vem, vamos embora
Que esperar não é saber.
Quem sabe faz a hora,
Não espera acontecer.”

Se não nos deixam sonhar não os deixemos dormir.
Se querem continuar na pirataria e no saque,
Que o façam pelo método tradicional, de armas nas mãos.

Nenhum pesadelo se pode eterno
Porque as noites acordam
E se anunciam em dias, em luz.

Faz-se madrugada, o sol já vem aí.

Francisco Costa
Rio, 14/06/2013.


OUVINDO MORRIS ALBERT

OUVINDO MORRIS ALBERT (Feelings)
(Para minha irmã, Yvonne Rocha Costa,
uma espírita convicta)

Lá para além das montanhas existe luz
E os homens não partilham coisas,
Mas sentimentos, palmilhando caminhos
Sem cansaços e tédios, só de sorrisos,
De almas abertas ao que se pretende sempre.

Entre nós e as montanhas há escarpas,
Despenhadeiros, desertos de palavras,
Invernadas de lágrimas e silêncios.

Mas as montanhas são a meta e a mensagem,
O objetivo de nossos corpos náufragos,
Imersos em solidão e esperas, possibilidades
De reencontros urgentes atrás das montanhas.

Elas nos esperam, certas de que chegaremos,
Quando, um a um, ela nos acolherá assustados
Em seus seios, para nos ajudar a transpô-las
E chegarmos, por fim, na essência de nós mesmos.

As montanhas nos aguardam, e chamam,
Confiantes de que os entraves do caminho
Se rebatizarão autoconhecimento,
Essa coisa estranha que, longe de nós,
Obscurece a visão e esconde as montanhas.

Francisco Costa

Rio, 13/06/2013.

POEMA ADIADO

Ouço lamúrias, gemidos,
Gritos interrompidos,
Precisão de sorrisos.

Alguma coisa não está bem
E insinua que eu a denuncie,
Traga para o claro da realidade.

Não sei o que me diz o anjo,
Se me anuncia tempestades
Ou avisa que outros choram.

Ocupados, os meus ouvidos,
Anteparos de alarmes,
Estão surdos para romances.

Aquele poema de orgasmos,
Tecido em gemidos outros,
Arquitetado em carícias,
Está adiado.

Não se pode dar só a uma
O amor que se exige coletivo.
Coração que chora não beija.

Francisco Costa

Rio, 14/06/2013

RECADINHO A SANTO ANTONIO

A vós, que sois santo casamenteiro, solicito
Atenção redobrada em vosso dia.
Permanecei atento a corações solitários,
Aos que purgam a dor da solidão e da espera,
Ensimesmaram-se em vazios e escuros,
Mas sabedores de que adiante, logo ali,
Há preenchimento e luz, na forma de corpos.

Lembrai da moça triste na sacada, entre cortinas
Esperando intervalos nos dias que se repetem,
E das que sentadas em bancos de jardins
Sonham príncipes fugitivos de livros infantis.

Lembrai das que se desfazem em hormônios,
Em calores e arrepios, gemeres para ninguém,
Em parcimônia e segredo, ostentando-se sós
Em camas imensas, sem partilhas e gozos.

Lembrai das equivocadas, quase antinaturais,
De sexos trancados em igrejas e templos,
Latejando em si pecados inexistentes e culpas
Nascidas do equívoco e da preconceituação,
Como se possível alienar parte de si para fora.

Lembrai das de sexo desenfreado e constante,
Alternando parceiros, invalidando olhares
E pouco se dando aos beijos, porque tudo no sexo,
Sujeito de suas existências, alienadas a momentos.

Lembrai das de sorrisos infantis, mal sabedoras
De que o futuro as aguarda mulheres, receptáculos
De sonhos que se farão luz ou morrerão solitários,
Tragados por vendavais e borrascas, temporais.

Das que acenando adeuses e ouvindo até nunca
Trancaram-se em só memória do irrepetível,
Esperando anjos mortos, enterrados no passado,
E das que, emprestadas, esperam posse definitiva.

Das que doam o corpo enquanto o pensamento
Viaja, sonhando outros braços e outras palavras,
Em vidas pela metade, ancoradas no que não querem,
E das que se permitem só por medo e insegurança,
Inseguras de próximos passos e entregas novas.

Das que, em viagens virtuais, sentadas em cadeiras
Imaginam-se em colos, acariciando acariciadas,
Vivendo só parte porque de corações migrados,
Exportados para muito além do monitor,
E das que mandam mensagem de SOS em poemas,
E se põem inteiras ao alcance de leitores distraídos.

Lembrai de todas, meu santo de predileção.
Atentai porque ainda estão esperando.
Atentai! Porque ninguém pode chegar ao paraíso
Sem histórias para contar.
Não se chega a paraísos chorando.

Francisco Costa.
Rio 13/06/2013.



CONVÍVIO

“O inferno são os outros”
( J. P. Sartre)

Você, cheio de verdades absolutas,
Certezas imutáveis, doutrinas,
Pronto para me evitar ou converter,
Vai pra igreja orar.

Você que vê tudo por partes,
Seleciona e aparta, hierarquiza
A realidade, estabelecendo definições,
Vai pra igreja orar.

Você, apêndice do que é monetário,
Pouco mais que moeda em trocas,
Achando que se pode comprar tudo,
Vai pra igreja horar.

Você, sujeito do mundo, importância
Encarnada ordens a serem cumpridas,
Determinações, desejos insaciados,
Vai pra igreja orar.

Você, preconceitos ostentados nos dias,
Criando cercas, individualizando rebanhos,
Nomeando o que se faz diferente de você,
Vai pra igreja orar.

Você, eleitor de voto inútil, de ideologia
Vazia porque inexistente, inocente útil,
Manipulado e feliz, empinado e importante,
Vai pra igreja orar.

Você que já está na igreja, em bom caminho,
Junto da divindade, superior, melhor
Do que os que não comungam a crença,
Permanece na igreja orando.

Quero-os todos salvos, no paraíso.
Talvez assim, sozinho,
No inferno eu encontre a paz.

Francisco Costa
Rio, 24;05/2013.


VOAR NA POESIA

Voar. Como seres afeitos ao espaço,
Ao que se delineia liberdade plena
Porque sem obstáculos, voar, voar.

Voar curto e com muitas escalas,
como os galináceos. Voar sempre
mas em baixa altura, como insetos.

Voar longe e alto e permanente,
Como o condor. Voar a esmo e só,
Como a folha morta, solta da árvore.

Voar com missão determinada e clara,
Como o pólen  aderido ao inseto, à ave
Semeando vida e fazendo a paisagem.

Mas voos sempre limitados, de chegadas.

Voar , por fim, além do infinito, longe,
E no pra sempre, alto, sem possibilidade
De retorno e descanso, reabastecimento.

Este sim, o verdadeiro voo, a liberdade
Plena e total de diferente voar,
Voar na poesia.

Francisco Costa

Rio, 15/02/2013.
Vendo-te assim distraída e nua,
Em plágio a paraísos e édens,
Displicente abandonada, a mercê
Do que de ti extravasa, celebração
À plenitude de encantos,
Meus olhos cansados de tanto visto,
Surpreendem-se como se em passo primeiro,
Primeira visão do que se pode belo.

Em contrição de menino em oração
Bebo o instante, e no instante
Me ponho verso único em adoração.

Francisco Costa
Rio, 30/05/2013.


ERRO MÉDICO

V’ambora mulher! Dispa-se e me espere,
afasta os móveis da cama, tranca janelas,
toca as crianças pra casa da sua mãe, tia...
Prepare-se, faça alongamentos, relaxe.

Cuidado com a cabeça no teto, o lustre,
invoca todas as suas energias, a resistência.

Essa noite promete, põe o rádio em alto som,
amanhã não quero reclamação dos vizinhos,
achando que  estou bêbado ou enlouqueci.

Vais ficar de molho como se vítima de surra,
sem saber se anotaram o trator que a atropelou.

E se eu quiser mais e mais e mais e mais e mais...
Fica quieta, quietinha e não esperneia.
Houve erro médico, me injetaram viagra na veia.

Francisco Costa
Rio, 23/03/2013.



Um casal de pombos silvestres,
tendo o mundo todo a disposição,
elegeu meus olhos testemunhas
da natureza em trânsito:
aninharam-se em uma mangueira
exatamente ao lado da minha janela.

Bisbilhoteiro do que se anuncia belo,
acompanhei toas as idas e vindas,
gravetos nos bicos, penas arrancadas,
para a confecção do ninho, berço
de novas pombas para enfeitar os dias.

Acompanhei todos os beijinhos,
bicos e línguas em arrepios de penas,
até a chegada dos dois ovinhos.

Indiferente ao sol abrasador,
às chuvas constantes, ao vento,
por duas semanas em gravidez de aves,
a pombinha permaneceu agachada,
ocasionalmente substituída pelo marido,
quando saía para comer e beber água.

Em parto sem dor, feito só de cansaço,
as cascas romperam-se em liberdade
a dois pombinhos novos, sem penas,
olhinhos fechados, de poucos instintos.

Alimentados em quase continuidade,
dobraram de peso, triplicaram o peso,
ansiando-se imagens e semelhanças
dos pais em afã de continuidade nelas,
duas pobinhas crianças na minha janela.

Ontem, um bando de anus brancos,
repetindo salteadores de caravanas
e políticos sem coração, só de bolsos,
atacou o ninho, feriu as pombas
e comeu os pombinhos.

Explodem estrelas e galáxias,
desfazem-se átomos
 em mini explosões,
entredevora-se a fauna,
entredevoram-se os homens...

E questionei os propósitos de Deus
fazendo da violência e da força
os agentes motores da criação.

Uma voz secreta, sonada em surdina
Chamou-me à razão: evolução!

Francisco Costa

Rio, 18/04/2013.
Transgressor da sensatez
Habito corpos
Navego vontades
Determino diferenças.

Transgressor da sensatez
Cometo poemas
E nos poemas
Transgrido a sensatez

Essa imposição insensata
De ser igual e comum
Como se todos os homens
Fossem um.

Isso mata.

Francisco Costa

Rio, 18/05/2013.
Tenho verbos no pretérito,
Dos quais já me esqueci.
Perfeito: odiei, briguei, perdi,
Venci, enlutei, supus, amei.
Imperfeito: odiava, brigava,
Perdia, vencia, supunha, amava.

Tenho verbos no futuro,
Os que ainda vivenciarei:
Do pretérito: suporia, amaria.
Do presente: amarei.

Tenho verbos no presente,
Os que vivo agora:
Perco, suponho, amo.

Francisco Costa

Rio, 30/05/2013
Tenho dois filhos: o primeiro
É compenetrado e doce,
Quase nunca fala ou reclama,
Sempre atento a tudo,
Às solicitações do mundo.

Ocasionalmente escreve
E comove-se com facilidade,
Muito diferente do segundo:

Sempre desligado de tudo,
Só está atendo ao dinheiro,
E para tanto não mede escrúpulos,
Na permanente sanha de ter.

Julga dele qualquer coisa que exista,
E quando não toma, compartilha,
Mesmo à revelia do dono.

É frio, calculista, prático, imediatista.

Sou um pai preocupado e atento
... Em relação ao primeiro
E o seu senso crítico.

O segundo me tranquiliza:
Já nasceu político.

Francisco Costa.
Rio, 06/02/2013




SURDEZ

Há silêncio.
Em vão busco um ruído
Que me mostre vivo.

Atento busco
Um pio noturno
Um anfíbio coaxar
Folhas no vento
Qualquer coisa que caia
Ou se agite, produza som
E só o silêncio.

Por que se calaram os cães
E pousaram ou caíram
Os aviões? Nenhum carro,
Todos os rádios desligados,
Sequer um inseto a zumbir,
Nada que me mostre vivo.

Mas há uma possibilidade:
E se ensurdeci, fiquei moco,
Alienado das possibilidades
De ver em sons o mundo?

Regurgito sons de memória,
Reverbero lembranças,
Faço ecos de saudades.

Os sons são agora utopia
Até a manhã acordar
E eu fazer do susto, poesia.

Francisco Costa

Rio, 23/05/2013.
Súbito chovem cores,
Diluem-se formas,
Inunda-se em aromas
O que eu supunha morto,
possibilidades de sorrisos.

Inesperado e surpreendido
Situo-me sonho inacabado,
Delírio em pleno início,
Felicidade em exercício.

Nem drogado, nem enlouquecido,
Só apaixonado, renascido.

Francisco Costa


Sim, sou capaz de sorrir em versos,
mas só em versos.
E capaz de chistes, motes engraçados,
Piadas... Mas só nos poemas.

Quem me lê não imagina a angústia,
a impotência para mudar destinos,
travar o que se faz pedrisco no pé,
entre a sola e o sapato, incomodando,
ou mais que incomodando, impedindo
a continuidade do caminhar.

Fosse tudo comigo e a resignação
cuidaria do caso, ou o voluntarismo
posto em forma de resistência
cuidaria do caso. Mas não é comigo.

Morro um pouco perto dos que morrem,
e não posso fazer nada, impotente e fraco,
preso nos meus limites de só um homem
teclando angústia, digitando a frustração.

Purgo dores que não são minhas, ganhei.
Lacrimejo quase desespero, enfartando,
morrendo-me um pouco a cada dia,
entre o câncer e o cárcere.

Os que lá se vão, sós e injustiçados,
são pedaços de mim morrendo comigo.

Francisco Costa.

Rio, 06/04/2013.
Sempre que o sol vai dormir
coloco aquela nossa canção.

Imediatamente navego em acordes,
imaginando você aqui, distraída e nua,
olhando estrelas na janela, dizendo
aquela é minha, encontrei no dia
em que te encontrei na chuva.

Então entendo que a morte é uma ponte
e o pedágio é a saudade. Me sento e,
chorando ou rindo, escrevo mais um poema,
para que me perguntem quem é a musa.

Respondo: ficcional, mas você sabe,
chamo ficção o que chamariam memória,
um cantinho em mim em que ainda mora,
sem roupa e sem maquiagem, uma imagem
que me devora. Só então vou dormir.

Francisco Costa

Rio, 06/05/2013.

DAS RETICÊNCIAS E DO PONTO

Sempre que me deparo
Com o o incognoscível
Deixo-me em reticências.

Assim, Deus é ...
Como ... é o universo
Porque se ondas ou partículas,
Real ou virtual, só pensamento,
Aberto ou fechado, esférico,
Limitado ou ilimitado,
Único ou um de muitos,
Fica tudo, por hora, em ...

E a vida essa particularidade
Da matéria em evolução,
Até tomar forma humana
E criar consciência de si ...

É poeira de estrelas
Que em si gera organização,
Obra do acaso ou determinação
Prisioneira das metafísicas?
Respondo em ... Não sei, não sei.

Mais adiante, átomos dissociados,
Migrando do meu corpo para fora,
Para habitar organismos outros
Ou se dispersar no espaço,
A minha consciência ...

Perscrutar ... é a missão do homem.
Das suas perguntas nascem as artes,
As ciências, filosofias e religiões.

Os que já encontraram respostas
E têm tudo explicado
Depararam-se com o ponto final.

Deixemo-los com suas verdades.
Aprendi que ... são três pontos, e
Três pontos valem mais que um.


Francisco Costa
Sempre que te vejo
Escorro-me em versos,
Suando ansiedade,
Desejando-me junto.

Tens algo que não sei,
Seriedade no rosto
Em desafio de por a prova
E conferir se confere,

Um jeito de ocupar
E se fazer total
Tomando espaços.

Por isso esse deslumbre.
Sempre que te vejo
Escorro-me em versos.

Francisco Costa.

Rio, 23/05/2013.
Sem ter o que escrever
Porque vazio, cheio de você,
Perambulo meus corredores,
E no interior de mim
Só encontro você.

Se vou ao verso
As palavras fogem em revoada,
Por não dizerem nada,
Estarem eclipsadas por você.

Já não sei o que fazer.
Os poemas têm urgência,
Mas não consigo me livrar de você,
Ocupação que eu supunha ocasional
Mas que fincou morada,
Calando versos, apagando canções,
Deixando-me assim, vazio de mim
Porque todo cheinho de você.

Francisco Costa
Rio, 27/05/2013.


SEM INSPIRAÇÃO

Noite morta, madrugada apodrecida.
Bandearam-se todos os anjos da poesia.
Vasculho os escaninhos da memória,
Apoio-me em versos alheios, tudo em vão.

Alheias e mudas, indiferentes, distantes,
As palavras dormem nos dicionários,
Imunes às minhas súplicas de que venham.

Sem redigir não me sei, não me reconheço,
Como longínqua planta florindo no deserto,
Sem espectadores e sem comentários,
Mera ausência, olhar num espelho sem aço,
Que nada reflete ou anuncia, deixando só.

Híbrido de indivíduo e mundo, escorro-me,
Virtual, nos poemas que escrevo, redação
De mim disfarçado numa foto do perfil.

Agora só me sei assim, parasita de anjos
Ditando a mim o de mim mesmo
Compenetrado, caminhando pelo teclado.

Meus anjos fizeram greve.
A noite está mais leve, como a madrugada.
Mas sem palavras poetas são flores
Sem pétalas, odor, cor... Nada.

Francisco Costa
Rio, 09/06/2013.


Sabe aquelas canções que nos embalavam,
Fazendo-se trilhas sonoras de nossos beijos,
As letras analisadas, identificando-nos?
Continuam a tocar no meu rádio, no mundo,
No meu coração, mas você as esqueceu.

Não sei que canções a embalam agora,
Alheia, distante, impondo-me silêncio e dor,
Cantarolando aquelas canções insistentes,
Insistindo em me mostrar que seu amor morreu,
Possivelmente ressuscitado em novas canções,
Talvez reencarnado em outro corpo.

Em mim fazem ecos ainda as velhas canções,
E em seus ecos danço com a minha solidão,
Executando passos de saudade no ritmo do fim.

Francisco Costa
Rio, 25/05/2013.